Discutindo Intercambialidade
e Farmacovigilância

Desmistificando incertezas com relação à intercambialidade

 

Algumas perguntas vêm sendo feitas por pacientes, médicos prescritores e demais profissionais da saúde intimamente envolvidos com o uso de biossimilar como, por exemplo: É seguro trocar meu medicamento biológico por um biossimilar? Biossimilares podem substituir o produto referência inovador? Medicamentos biológicos inovadores podem ser trocados por um biossimilar? A seguir, discutiremos alguns pontos de atenção com relação à intercambialidade que poderão esclarecer algumas dessas perguntas.

 

A intercambialidade e a Imunogenicidade

É importante pontuar que a imunogenicidade acontece quando proteínas terapêuticas são reconhecidas pelo sistema imune humano como algo diferente, ou seja, não pertencente ao corpo humano. Esse reconhecimento é frequentemente seguido de uma resposta imune contra essas proteínas (24). Essa resposta imune pode ser inócua para o paciente, mas igualmente pode trazer consequências indesejadas, como, dependendo do paciente, bloquear ou inativar a molécula ativa do medicamento, afetando sua eficácia, ou provocar reações alérgicas de grau variado. No caso dos biossimilares, por serem proteínas altamente similares aos medicamentos inovadores, sua imunogenicidade, se existir, deve ser similar àquela observada durante uso do medicamento inovador.

 

Até o momento, não existem evidências que demonstrem diferenças no perfil de imunogenicidade entre biossimilares e produtos inovadores. Na revisão publicada por Cohen, et al., 2018(25), foram avaliados 90 estudos de troca de produto inovador por biossimilar, dentre os quais 3 grandes estudos de trocas múltiplas, envolvendo em sua totalidade 14.225 pacientes. Esse estudo demonstrou que não há qualquer indício de aumento de imunogenicidade, comprometimento da segurança ou redução de eficácia entre os biossimilares avaliados.

 

Uma importante forma de se avaliar a imunogenicidade é a análise de anticorpos humanos “anti-molécula ativa do produto biológico” (também chamados de anti-drug-antibodies, cuja sigla é ADA), que podem ser produzidos durante o uso clínico da molécula biológica. Nesse sentido, três importantes estudos foram publicados (26) (27) (28) demonstrando que os anticorpos produzidos por pacientes que receberam o medicamento inovador cujo princípio ativo é o infliximabe (um anticorpo monoclonal recombinante), também se ligam a um infliximabe biossimilar. Isso indica que os anticorpos anti-infliximabe reconhecem e inibem funcionalmente os produtos inovador e biossimilar em níveis similares, o que sugere perfil de imunogenicidade similar.

 

A Intercambialidade e o efeito nocebo

A condução de estudos clínicos que comparam produtos inovadores e biossimilares evidenciaram outro ponto de atenção com relação à intercambialidade, relacionado a um efeito chamado de “nocebo” em alguns pacientes que tiveram seu tratamento trocado.

 

O efeito nocebo, contrário ao já conhecido efeito placebo, se caracteriza por uma inexplicável deterioração dos benefícios clínicos de um tratamento, ou seja, por um impacto negativo sobre eficácia ou sobre a tolerabilidade a um medicamento ou tratamento, causado por efeitos não farmacológicos(29) muito provavelmente ligados a mecanismos subjacentes, por um lado, psicológicos, como expectativas negativas ou condicionamento do paciente e, por outro lado, neurobiológicos, por ação da colecistocinina, opióides endógenos e dopamina (30). Já foram publicados, por exemplo, alguns estudos realizados com o biossimilar ao infliximabe, que evidenciaram que o efeito nocebo pode ser um desafio no sucesso da troca do inovador pelo biossimilar. Em um desses estudos, 23% dos 200 pacientes que tiveram o tratamento trocado do inovador para o biossimilar, após 6 meses de tratamento, descontinuaram o uso devido à percepção de ineficácia ou de eventos adversos que segundo os autores provavelmente têm relação com efeito nocebo ou a atribuições equivocadas e não a diferenças farmacológicas entre inovador e biossimilar (31) (32) (33).

 

A intercambialidade e as múltiplas trocas

Com o avanço no desenvolvimento desses produtos biossimilares, por empresas diferentes, espera-se que, em determinado momento, tenhamos disponível no mercado mais de um produto biossimilar do mesmo produto inovador. Neste momento, surge a dúvida: a troca pode ser feita indiscriminadamente ou existe um tempo mínimo de permanência do paciente em determinado tratamento, seja ele biossimilar ou inovador, antes da realização da troca do tratamento?

 

A ANVISA, em sua Nota de Esclarecimento sobre a intercambialidade (19), publicou que entende não serem adequadas múltiplas trocas entre produtos biossimilares e o produto biológico comparador, uma vez que poderiam dificultar a rastreabilidade e o monitoramento do uso.

 

Do ponto de vista imunológico, a imunogenicidade normalmente identificada com o uso desses medicamentos biológicos acontece porque o organismo reconhece esses medicamentos como proteínas exógenas, ou seja, que não fazem parte do seu repertório de proteínas. Com esse reconhecimento, o organismo passa a produzir anticorpos contra os medicamentos, os chamados anticorpos anti-drogas (do inglês, ADA – anti-drug antibodies). Esse desenvolvimento de anticorpos anti-droga passa por duas fases. A primeira com um tempo de duração aproximado de 6 meses pós-administração do medicamento, onde o anticorpo anti-droga produzido pelo organismo pode apresentar uma baixa afinidade pelo medicamento, e uma segunda fase, que acontece entre 6 e 9 meses após a administração onde essa afinidade é maior (34). Portanto, é preciso se definir um período mínimo de permanência no tratamento para que seja possível identificar uma resposta imune e também rastrear qual o medicamento foi o causador dessa resposta.

 

 

19. ANVISA. http://portal.anvisa.gov.br/documents/33836/4095801/Nota+de+esclarecimento+003+de+2017+-+Medicamentos+Biológicos/0774f2d7-5c83-45b7-832d-37efdf21790c. NOTA DE ESCLARECIMENTO No 003/2017/GPBIO/GGMED/ANVISA - REVISADA. [Online] 10 de 2018. [Citado em: ] http://portal.anvisa.gov.br/documents/33836/4095801/Nota+de+esclarecimento+003+de+2017+-+Medicamentos+Biológicos/0774f2d7-5c83-45b7-832d-37efdf21790c.

 

24. EMA. Potential clinical consequences of an unwanted immune response include loss of efficacy of the therapeutic protein, serious acute immune effects such as anaphylaxis, and, for therapeutic proteins used for substitution, cross-reactivity with the endogenous. [Online] 18 de 05 de 2017. [Citado em: ] https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/guideline-immunogenicity-assessment-therapeutic-proteins-revision-1_en.pdf.

 

25. Cohen, Hillel P., et al. Switching Reference Medicines to Biosimilars: A Systematic Literature Review of Clinical Outcomes . Drugs. 2018, Vols. 78: 463-478.

 

26. Ruiz-Argüello MB, Maguregui A, Ruiz Del Agua A, Pascual-Salcedo D, Martínez-Feito A, Jurado T, Plasencia C, Balsa A, Llinares-Tello F, Rosas J, Torres N, Martínez A, Nagore D1. Antibodies to infliximab in Remicade-treated rheumatic patients show identical reactivity towards biosimilars. Ann Rheum Dis. 2016 , Vols. 75(9):1693-6.

 

27. Ben-Horin S, Yavzori M, Benhar I, Fudim E, Picard O, Ungar B, Lee S, Kim S, Eliakim R, Chowers Y. Cross-immunogenicity: antibodies to infliximab in Remicade-treated patients with IBD similarly recognise the biosimilar Remsima. Gut. 2016, Vols. 65(7):1132-8.

 

28. Reinisch W, Jahnsen J, Schreiber S, Danese S, Panés J, Balsa A, Park W, Kim J, Lee JU, Yoo DH. Evaluation of the Cross-reactivity of Antidrug Antibodies to CT-P13 and Infliximab Reference Product (Remicade): An Analysis Using Immunoassays Tagged with Both Agents. BioDrugs. 2017, Vols. 31(3):223-237.

 

29. Diabetes, Sociedade Brasileira de. Você acredita no efeito nocebo? [Online] 21 de 07 de 2014. [Citado em: ] https://www.diabetes.org.br/publico/diabetes-em-debate/761-voce-acredita-no-efeito-nocebo.

 

30. Planès, Sara, Viller, Celine e Mallaret., Michel. The nocebo effect of drugs. Pharmacology Research & Perspectives. 2016, Vol. 4.2.

 

31. Nikiphorou E, Kautiainen H, Hannonen P et al.,. linical effectiveness of CT-P13 (infliximab biosimilar) used as a switch from Remicade (infliximab) in patients with established rheumatic disease. Report of clinical experience based on prospective observational data. Expert Opin Biol tHER. 2015, Vols. 15: 1677-83.

 

32. Glintborg B, Sørensen IJ, Loft AG et al. A nationwide non-medical switch from originator infliximab to biosimilar CT-P13 in 802 patients with inflammatory arthritis: 1-year clinical outcomes from the DANBIO registry. Ann Rheum Dis. 2017, Vols. 76:1426-31.

 

33. Tweehuysen L, van den Bemt BJF, van Ingen IL et al. Clinical and Immunogenicity Outcomes after Switching Treatment from Innovator Infliximab to Biosimilar Infliximab in Rheumatic Diseases in Daily Clinical Practice. Arthritis Rheumatol. 2016, Vol. 68 (Suppl 10):882.

 

34. Gonçalves, J. et al.,. osition Paper from the Portuguese Association of Hospital Pharmacists for biosimilar therapeutic antibodies. Journal of Clinical pharmacy and Therapeutics. 2016.

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